28 de novembro de 2011

A Sentença Oral: desnecessidade de transcrição em caso de recurso

1.      No processo especial sumário a sentença oralmente declarada teria de ser transcrita em caso de recurso? A jurisprudência e alguma doutrina responderam que sim (consultar local virtual www.dgsi.pt e o local virtual do Tribunal da Relação de Guimarães).
2.      Não há norma expressa sobre tal questão.
3.      No nosso entendimento, parece-nos que a sentença oralmente prestada, estaria documentada por referência ao disposto no art. 363 do C.P.P.. Sendo um acto de importância fundamental e sendo oral insere-se nos segmentos textuais “Declarações orais” e “outras…à boa decisão da causa” para efeitos do art. 363 e art. 412 nº 6 do C.P.P.. Assim, deve ser tão só ouvida no Tribunal da Relação.
4.      Como se sabe, no processo comum, se as exposições introdutórias ou o requerimento do sujeito processual x não são declarações orais para efeitos do art. 363 do C.P.P., já a leitura de sentença não o é porque escrita (“elaboração”, art. 373). Neste caso, estamos perante uma sentença oral.
5.      No caso do processo especial sumário, a lei ao dizer expressamente a sua exteriorização oral necessariamente quis que a mesma fosse documentada, normalmente gravada. E daí ser dever fornecer a gravação, cfr. art. 389-A nº 4 do C.P.P., Não descortinamos razão objectiva para o Tribunal da Relação não a ouvir tão só.
6.      Note-se a sentença não é ditada, é oral, é um discurso oral, são declarações orais.
7.      Como se sabe a linguagem oral é fonte de uma diferente temporalidade e substância. É natural a interrupção, é natural o voltar atrás no discurso…mas tal é um risco quando assim se decidiu positivamente.
8.      Um exemplo prático, reproduzindo algo que foi gravado: “meus senhores, vou proceder à sentença oral conforme o que diz a lei, em processo especial sumário foi aqui acusado H, residente na Rua…do Fontelo da Praça das Nozes número catorze em Marrazes, concelho de Leiria. Imputa o Ministério Público a prática de um crime de condução sem habilitação legal previsto no artigo terceiro número dois do decreto-lei dois barra noventa e oito de três de Janeiro. Não foi apresentada contestação até ao início da audiência, inexistindo questões prévias ou incidentais que importa conhecer. Provou-se com interesse para a questão da culpabilidade que a vinte e oito de Novembro de dois mil e onze, H. conduzia o veículo Renault Cinco às seis da tarde na rua dos pesares do sofrimento, sita na freguesia de Souto da Carpalhosa, concelho de Leiria, sem ser titular de carta de condução, querendo conduzir tal veículo tendo conhecimento que o fazia e que era proibido que assim actuasse. Mais se provou com respeito à determinação da sanção que o arguido não tem antecedentes criminais, confessou os factos, é operário, auferindo setecentos euros por mês e vive só, suportando a prestação mensal por força de crédito bancário para aquisição de casa no valor de trezentos euros. Nada mais se provou. Formei a minha convicção, quanto à factualidade atinente à culpabilidade, nas declarações do arguido, conforme nesta audiência foi decidido e documentado em acta e olhando ao disposto no artigo trezentos e quarenta e quatro número dois alínea a do código de processo penal, e no que diz respeito à factualidade atinente à determinação da sanção, atentei às declarações do arguido as quais por serem espontâneas, não havendo razão que as contrarie, mostraram-se credíveis, por último atentou-se ao registo criminal que está junto aos autos. Dos factos atinentes à culpabilidade extrai-se que o arguido realizou objectiva e subjectivamente o crime de condução sem habilitação legal, e assim incorre em pena de multa até duzentos e quarenta dias ou prisão até dois anos, conforme prevê o artigo terceiro número dois do decreto-lei dois barra noventa e oito de três de Janeiro. Olhando ao artigo setenta e na tarefa da escolha da pena, opta-se pela pena de multa, pois a conduta é ocasional, apesar da prevenção ser elevada atento o número de condutores que o fazem como é por todos sabido e consta nos últimos relatórios do Ministério da Administração Interna. Quanto à medida da pena olhando ao artigo setenta e um, atendo ao facto de conduzir fora do perímetro urbano de Leiria o que o favorece mas agrava o grau de ilícito a hora em que o facto ocorreu, hora em que a confiança no cumprimento da norma é maior pois hora de saída do trabalho. O dolo é directo. A confissão só mostra que o arguido é permeável ao dever ser imposto. As suas condições económicas impõem a consideração que o tirar a carta leva um mês de salário, mas também é facto que as empresas concedem facilidades de pagamento. Assim, por tudo o exposto, é adequada a pena de cinquenta dias de multa, e considerando o seu rendimento disponível, e que todos comem e se vestem levando com isso quarto do salário, sendo a sua remuneração regular e o crime algo excepcional, entende-se por justo fixar a taxa diária em sete euros, podendo noutra fase pedir autorização para pagamento em prestações juntando elementos certos da sua impossibilidade de pagamento no momento do pagamento. O processo foi simples e o ilícito não reveste de gravidade aos olhos fácticos da comunidade pelo que a taxa de justiça é reduzida a metade, olhando para o artigo trezentos e quarenta e quatro número dois c, e encargos devidos, agora Sr. Mário…vou ditar o dispositivo”
9.      O dispositivo ditado para a acta: “O Tribunal decide condenar H. pela prática em 28-11-2011 de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. no art. 3º nº 2 do DL 2/98 de 3-1 na pena de cinquenta dias de multa à taxa de seis euros; condenar H. nas custas, fixando-se a taxa de justiça no mínimo, reduzida ametade, e encargos devidos; boletim ao registo criminal; oportunamente em sede de liquidação descontar-se-à um dia de multa porque detido das seis da tarde às seis e vinte minutos”
10.  Eis pois a “oração” que a nosso ver deverá ser feita, oralmente prestada bem como o dispositivo ditado. Há algum problema em ouvir aquela “oração”? Há necessidade de a transcrever? É a transcrição compatível com a celeridade necessária ou o mínimo indispensável? 
11.   Agora, imagine-se este episódio sob o mesmo texto, mas transcrito: “em processo especial sumário foi aqui acusado H, residente na Rua…do Fontelo da Praça das Nozes número catorze em Marrazes, concelho de Leiria. Imputa o Ministério Público a prática de um crime de condução sem habilitação legal (imperceptível). Não foi apresentada contestação até ao início da audiência, inexistindo questões prévias ou incidentais que importa conhecer. Provou-se com interesse para a questão da culpabilidade que a vinte e oito de Novembro de dois mil e onze, H. conduzia o veículo, Renault Cinco às seis da tarde na rua sita na freguesia de Souto da Carpalhosa, concelho de Leiria, sem ter carta, agindo livre, deliberada e conscientemente bem sabendo ser proibida por lei. Mais se provou que o arguido não tem antecedentes criminais, confessou os factos, é operário, ganha setecentos euros por mês e vive só, e paga a prestação mensal por força de crédito bancário para aquisição de casa no valor de trezentos euros. Nada mais se provou. Formei a minha convicção, nas declarações do arguido (imperceptível) e atentei às declarações do arguido as quais por serem espontâneas, por mostrarem-se credíveis, por último atentou-se ao registo criminal que está junto aos autos. Extrai-se que o arguido realizou objectiva e subjectivamente o crime de condução sem habilitação legal previsto no art. 3º nº 2 do DL nº 2/98 de 3-1, (imperceptível). Olhando ao artigo setenta e na tarefa da escolha da pena, opta-se pela pena de multa, pois não tem antecedentes criminais, apesar da prevenção ser elevada atento o número de condutores que o fazem como se diz no Ministério da Administração Interna. Quanto à medida da pena atendo ao facto de conduzir fora do de Leiria. O dolo é directo. (imperceptível). A confissão só mostra que o arguido é (imperceptível) ao dever ser imposto. As suas condições económicas (imperceptível). Assim, por tudo o exposto, é adequada a pena de cinquenta dias de multa, e considerando o seu rendimento, entende-se por justo fixar a taxa diária em sete euros. O processo foi simples e (imperceptível) pelo que a taxa de justiça é reduzida a metade, olhando para o artigo trezentos e quarenta e quatro número dois c, e encargos devidos”
12.  Na transcrição acima descrita, o funcionário, atenta a oralidade e a coloquialidade natural mas também à tecnicidade inerente ao texto, apesar de oralizado, coloca o que não foi dito por lhe parecer irrelevante, coloca o que se ouve mal ou o que lhe parece, ou ainda coloca o que vai na rotina diária do seu ponto de vista (da “choca”). Logo, perante estas dificuldades, intervirá a entidade que presidiu ao acto: o juiz da 1ª instância. O legislador quis este resultado?
13.  Cremos pois que a transcrição traz consigo mais problemas desnecessários do que solução. A lei é um instrumento, mesmo lacunosa não deixa de ser um instrumento. E é um instrumento para ter utilidade, e ter utilidade é obviamente olhar aos efeitos.
14.  Não vale a pena referir os inconvenientes da reparação da nulidade parcial (art. 122 nº 1 do C.P.P.), basta atentar no quadro de funcionários de cada Tribunal da Relação, e as despesas daí inerentes. A realidade demonstrará a desnecessidade da transcrição, não sendo “o Carmo e a Trindade” que a mesma seja ouvida tão só como acontece na prova. Há leitura do Direito que aponta nesse sentido e a nossa ver única.
15.  Para tanto, impõe-se a) dizer oralmente a sentença de forma clara, sintética, cirúrgica; b) ter o cuidado de ser perceptível e seguro;
16.  Assim, e concluindo este trecho "oralizante" dir-se-à  não deverá haver qualquer transcrição, antes tão somente o envio do suporte técnico que documenta a audiência de onde consta a sentença oralmente prestada, como declarações nela prestada, a qual deverá ser ouvida caso sindicada no Tribunal da Relação.
17.  Note-se que a Circular do CSM nº 16/2011 só decidiu a quem compete realizar a transcrição, e não sobre a questão de saber se a solução é a transcrição, porque questão jurisdicional.