24 de abril de 2005

o requerimento de abertura de instrução...

A jurisprudência divide-se entre o aperfeiçoamento e a imediata rejeição.
Já exteriorizamos o seguinte despacho que obedeceu confirmação superior:

Dispõe o art. 287º nº 2 do C.P.P. que o requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre quer disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juíz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto no art. 283º nº 3 b) e c). Ora, no caso concreto, o assistente limita-se a proferir juízos de valor sobre as valorações da prova resultante do inquérito, não discute factos ou qualificação jurídica. Que consequências ?
I - O requerimento do assistente para a abertura da instrução, no caso de arquivamento do processo pelo MP, porque definidor e limitador do próprio processo, deve utilizar a veste de uma verdadeira acusação, enformando-se, perfilando-se e apresentando-se substancialmente como uma acusação alternativa, natural e consequentemente descrevendo e exarando aqueles dados e factos concretos, materiais e objectivos, que sustentam e justificam uma eventual aplicação das sanções prevenidas nas normas que se imputam como violadas.II - Não delimitando o assistente os factos concretos sobre os quais haveria de versar a instrução, impõe-se a rejeição do pedido de abertura da mesma, por ser ela inadmissível, devido à falta de objecto.13-11-2002Proc.n.º2806/02 3.ªSecção Borges de Pinho(relator)Franco de SáVirgílio Oliveira
De acordo com uns o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juíz ou por inadmissibilidade legal da instrução, e não se verificando terá o juíz que abrir sempre a instrução e depois ao debate instrutório onde não pronunciará (cfr. Ac. RL de 12-6-2001, rec. 3437/01). Segundo outros, o Juíz de Instrução deverá convidar o requerente a aperfeiçoar o seu requerimento (cfr. Ac. RP de 5-5-1993, C.J., t. 3º, p. 243, Ac. R.E. de 16-12-1997, BMJ nº 472, p. 585, Ac. RL de 20-6-2000, C.J., 3º, p. 153). Por último, e contra o entendimento anterior, no sentido de que não há base legal para o aperfeiçoamento, cfr. Ac. RL de 9-2-2000, C.J., t. 1º, p. 154, Ac. RL de 11-4-2002, C.J., t. 2º, p.147.
A resposta à questão passa por saber, se existe aperfeiçoamento ou não, e caso não exista ou exista, em que momento deverá o mesmo ser conhecido.
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A figura do aperfeiçoamento não se encontra prevista no processo penal, sendo um acto perfeitamente anómalo em face de regras procedimentais. As regras procedimentais são claras e objectivas, como o devem ser, e o facto de não se prevêr significa necessariamente que não se quis que a tramitação obedecesse a tal hipótese. Há que confiar na competência dos operadores judiciários de forma que a discursividade procedimental seja transparente. Só com a transparência de tudo e de todos os meios é que se realiza os fins do processo. O anómalo aperfeiçoamento a existir teria de ser concedido a tudo e a todos, o que implicava a existência de aperfeiçoamentos de acusações, o que certamente não é essa a intencionalidade pré-ordenadora do Código de Processo Penal de 1987 cuja base é o princípio do acusatório. O processo penal português tem, digamo-lo com as palavras do Prof. Figueiredo Dias (Princípios estruturantes do processo penal, in Código de Processo Penal, vol. II, t. II, p. 22 e 24, Assembleia da República), uma "estrutura acusatória integrada por um princípio de investigação oficial", estabelecendo-se por força do princípio da acusação que a entidade julgadora não pode ter funções de investigação e de acusação no processo antes da fase de julgamento, podendo apenas investigar dentro dos limites da acusação fundamentada e apresentada pelo Ministério Público ou pelo ofendido (lato sensu). A admitir o anómalo aperfeiçoamento da acusação ou do requerimento da abertura de instrução significaria que, constituindo este requerimento a ser submetido à comprovação judicial afrontaria o princípio do acusatório, ao ver a entidade julgadora a ter funções de investigação antes do julgamento, o que certamente, o actual C.P.P. não pretende. Por outro lado, como assinala o Ac. da Relação Lisboa nº 10685/2001, rel. Dr. Trigo Mesquita, "(...) o convite dirigido às partes, pelo juíz, para a correcção de peças processuais, implica uma cognoscibilidade prévia, ainda que perfunctória, da solução do pleito, interfere nas funções atribuídas às partes e seus mandatários e pode criar falsas convicções quanto aos caminhos a seguir por forma a obter uma decisão favorável da causa". Assim, é de concluír que inexiste a figura do aperfeiçoamento no processo penal, e em concreto do requerimento de abertura de instrução por não estar na lógica ordenatória positiva, nem ser consentâneo com os princípios basilares do processo penal.
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O requerimento constitui um discurso valorativo àcerca da acusação. Em Direito espera-se mais dos factos, do que dos juízos de valor...é sobre aqueles que por via de regra as normas têm o seu olhar previdente. Assim, não há que esperar pelo debate instrutório quando o acto impulsionador do mesmo é inexistente.
A "falta de indicação de factos pode gerar a inexistência do processo e consequente inadmissibilidade do requerimento por falta de objecto"(Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, verbo, vol. 3º, 2ª ed., p. 144 nota 3), como é o caso. Assim, por inadmissibilidade legal, rejeito o requerimento de abertura de instrução (art. 287º nº 3 do C.P.P.).
A moda dos aperfeiçoamentos, à custa de coisas como princípio da lealdade entre operadores judiciários e due process of law(historicamente este princípio foi aplicado noutro terreno, mas enfim, hoje em dia opina-se sobre tudo porque parece que sabemos de tudo,...é uma caraterística do tempo actual que não temos) viola frontalmente o princípio da legalidade procedimental. O que não se diz e convem dizê-lo é que a incompetência de um operador judiciário não é motivo para a piedade do julgador e inventar o aperfeiçoamento que não tem base positiva (ainda não tem...vejamos no futuro se a moda se positiva...modas do espírito de Giddens e Habermas). De facto, é a própria subjectividade do julgador (aquela que ainda é possível traduzir-se em linguagem comunicativa, logo objectiva) que está em causa: a que título terá o julgador de ordenar o aperfeiçoamento para sujeitar alguém livre a julgamento com a probabilidade de lhe ser aplicada uma pena ? Qual é o princípio que lhe dá tal título ? Não é seguramente a presunção de inocência e não é seguramente o da acusação...Mas a ser positivado, ou a ser hermeneuticamente assente, o despacho de aperfeiçoamento é algo de absurdo, pois colocará o julgador a dizer expressamente onde e como terá de ser aperfeiçoado o requerimento sem ter qualquer base para tal louvando-se tão somente do inquisitório. Concede-se que o aperfeiçoamento nos recursos de contra-ordenação ou ordinários coloque alguma justiça material, mas tal é assim porque existe já uma base factual: uma condenação provisória. Não acontece tal na instrução. Por último, certeiro: Ac. RL de 25-11-2004, C.J., t. 5º, p. 134, rel. João Carrola.
Recentemente, o Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre a matéria da seguinte forma (ac.385/2005):
Os recorrentes submetem à apreciação do Tribunal Constitucional a norma constante dos artigos 287º e 283º do Código de Processo Penal, segundo a qual não é obrigatória a formulação de um convite ao aperfeiçoamento do requerimento para abertura da instrução, apresentado pelo assistente, quando esse requerimento não contém uma descrição, ainda que mínima, dos factos imputados ao arguido. Os recorrentes consideram que tal interpretação é materialmente inconstitucional, por violar o direito de acesso à Justiça do ofendido. Nas alegações do seu recurso de constitucionalidade, os recorrentes invocam vários Acórdãos do Tribunal Constitucional relativos a questões de constitucionalidade de normas reguladoras do estatuto do arguido. No desenvolvimento dos seus argumentos, os recorrentes invocam ainda um acórdão deste Tribunal sobre matéria de direito processual laboral (o Acórdão nº 299/93) e outro sobre matéria contra‑ordenacional (o Acórdão nº 319/99). Todos os arestos invocados têm por objecto normas relacionadas com a prolação do despacho convite para aperfeiçoamento de alegações de recurso (nos que se referem ao processo penal e ao processo contraordenacional, os recursos em questão foram apresentados pelo arguido).
No presente caso está em causa o requerimento para abertura da instrução apresentado pelo assistente.
Ora, o estatuto do assistente não é equivalente ao do arguido. Desde logo, a Constituição, a par da consagração de todas as garantias de defesa do arguido (artigo 32º, nº 1), determina que “o ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei” (artigo 32º, nº 7). É, pois, constitucionalmente reconhecida uma ampla margem de conformação legislativa da posição processual do assistente (ofendido) que inviabiliza uma abstracta equiparação entre o estatuto do assistente e o do arguido.
Tal diferenciação é naturalmente reconhecida pela jurisprudência constitucional, que reiteradamente tem realçado, a propósito de várias questões relacionadas com o estatuto do assistente, a diferença entre as posições processuais dos dois sujeitos do processo penal (cf., a título meramente exemplificativo, os Acórdãos 27/2001 e 259/2002, que serão de novo referidos infra).
Assim, o que é afirmado a propósito das garantias de defesa do arguido não tem necessariamente aplicação tratando‑se do assistente, pelo que a jurisprudência invocada pelo ora recorrente não tem pertinência significativa nos presentes autos.
Aliás, em matéria de recursos, a Constituição consagra um direito de defesa do arguido – de forma expressa após a Revisão Constitucional operada pela Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, e, segundo a jurisprudência constitucional constante e unânime, de forma implícita já antes disso –, enquanto apenas contempla um direito genérico, que não pode ser suprimido in totum, à impugnação judicial das decisões dos tribunais ou a um duplo grau de jurisdição nos restantes domínios (o que, à luz do nº 1 do artigo 20º da Constituição, não inviabiliza, por exemplo, a fixação de uma alçada para a primeira instância em matéria civil).
5. Importa sublinhar, por outro lado, que no presente processo o requerimento apresentado pelo assistente não contém os factos cuja prática gera responsabilidade criminal, ou seja, o requerimento não contém a menção, ainda que imprecisa, dos fundamentos da responsabilidade criminal do arguido. Desse modo, o requerimento apresentado não permite a delimitação, em termos minimamente adequados e inteligíveis, do objecto da instrução cuja abertura foi requerida.
Não existe, assim, qualquer analogia com as situações (subjacentes a alguns dos arestos invocados pelo recorrente) em que o recorrente dá cumprimento às exigências fundamentais a que deve obedecer uma alegação (nomeadamente o ónus de impugnar os fundamentos da decisão recorrida ou o ónus de formular conclusões) e apenas se verificam deficiências formais, tais como a especificação nas conclusões daquilo que já constava das alegações.
No presente caso, a peça processual apresentada não tem, como se referiu, a virtualidade de desempenhar a função que legalmente lhe é atribuída (possibilitar a abertura da instrução, fixando o respectivo objecto). Trata‑se, nessa medida, de um requerimento “inepto”. Qualquer convite que fosse formulado traduzir‑se‑ia na concessão da possibilidade de repetição do acto (não seria, portanto, confundível com um mero convite para aperfeiçoamento de acto anterior).
Assim sendo, é manifesto que nenhum preceito constitucional (ou de outra natureza) impõe a possibilidade de o assistente praticar de novo um acto que já praticou no respectivo prazo de modo absolutamente inadequado. O requerimento apresentado é pois um requerimento “não aperfeiçoável”.
6. Cabe ainda realçar que a representação do assistente por advogado (artigo 70º do Código de Processo Penal) visa garantir uma utilização tecnicamente adequada dos mecanismos processuais por esse sujeito.
Na verdade, o direito de acesso à Justiça no contexto destes autos concretiza‑se na consagração do direito a requerer a abertura da instrução. Uma vez que é representado por advogado, o assistente dispõe das condições necessárias para o exercício de tal direito. Tais condições são, porém, delimitadas por outros princípios processuais, tais como a celeridade ou a proibição de actos inúteis. A prática de actos (no caso, a apresentação de um requerimento) de modo a não permitir a intelegibilidade do núcleo essencial da peça processual produzida não justifica nem legitima a imposição de um convite ao aperfeiçoamento (que, como se disse, seria antes a concessão da possibilidade de renovação do acto).
7. Por fim, deve ter‑se presente que o reconhecimento da possibilidade de “renovação” do acto em questão implicaria uma compressão dos direitos de defesa do arguido, já que a consagração de um prazo para o assistente requerer a abertura da instrução concretiza a garantia de defesa inerente à fixação da situação processual do arguido que a não pronúncia origina.
Ora, não se vislumbra fundamento legítimo para tal compressão, já que a instrução não teve lugar devido a uma actuação processual dos assistentes manifestamente deficiente (de resto, os próprios assistentes reconhecem nos presentes autos as deficiências do requerimento apresentado). Nessa medida, a aludida compressão não é admissível (cf., em sentido próximo, o Acórdão nº 27/2001, já citado).
8. O sentido geral da jurisprudência anterior deste Tribunal aponta para a não inconstitucionalidade da norma em crise. Com efeito, o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 259/2002, decidiu não julgar inconstitucionais as normas do artigo 412º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a falta de determinadas menções legalmente exigidas nas conclusões e na fundamentação das alegações de recurso do assistente não justifica a realização de um convite para o aperfeiçoamento da peça processual.
E já no Acórdão nº 27/2001 o Tribunal Constitucional apreciara uma questão de constitucionalidade, reportada ao artigo 287º do Código de Processo Penal, relativa à decisão que, julgando nulo o requerimento para abertura de instrução apresentado pelo assistente, impediu este sujeito processual de repetir o acto, uma vez que já havia decorrido o respectivo prazo. Neste aresto, no qual foi formulado um juízo de não inconstitucionalidade, o Tribunal Constitucional entendeu o seguinte:
Assim, no caso em apreço, o assistente defende um interesse constitucionalmente protegido e, para além disso, o nº 4 do artigo 32º, também da Constituição, estabelece que “toda a instrução é da competência de um juiz (...)”. É certo que este preceito constitucional se refere à judicialização da instrução no processo penal, mas é manifesto que o assistente, em caso de crime público em que o Ministério Público se pronunciou pelo arquivamento do processo de inquérito, tem o direito de requerer a abertura da instrução, para assim controlar judicialmente a posição do Ministério Público. Este direito integra-se indubitavelmente no conjunto dos diversos poderes de intervenção processual do assistente e inclui-se no interesse constitucionalmente protegido de uma intervenção mais eficaz do ofendido no processo penal.
Porém, o que está em causa nos presentes autos é a questão de saber se o decurso do prazo peremptório para requerer a abertura da instrução impede a renovação de um requerimento que, tendo sido apresentado com aquela finalidade, foi considerado nulo. Ou seja, na formulação do recorrente, a questão de saber se o direito do assistente de requerer a acusação foi desproporcionadamente restringido.
A este respeito, importa reconhecer que a dimensão garantística do processo penal, face à sua repercussão nos direitos e liberdades fundamentais do arguido, obsta, por um lado, a um entendimento de tal processo como um verdadeiro processo de partes e, por outro, não proporciona uma perspectiva de total simetria entre os direitos do arguido e do assistente no que se refere ao modos de concretização das garantias de acesso à justiça.Ora, nos casos de não pronúncia de arguido e em que o Ministério Público se decidiu pelo arquivamento do inquérito, o direito de requerer a instrução que é reconhecido ao assistente – e que deve revestir a forma de uma verdadeira acusação – não pode deixar de contender com o direito de defesa do eventual acusado ou arguido no caso daquele não respeitar o prazo fixado na lei para a sua apresentação.
O estabelecimento de um prazo peremptório para requerer a abertura da instrução – prazo esse que, uma vez decorrido, impossibilita a prática do acto – insere-se ainda no âmbito da efectivação plena do direito de defesa do arguido. E a possibilidade de, após a apresentação de um requerimento de abertura de instrução, que veio a ser julgado nulo, se poder ainda repetir, de novo, um tal requerimento para além do prazo legalmente fixado, é, sem dúvida, violador das garantias de defesa do eventual arguido ou acusado. Com efeito, a admissibilidade de renovação do requerimento não permitiria que transitasse o despacho de não pronúncia, assim desaparecendo a garantia do arguido de que, por aqueles factos não seria de novo acusado.
Se se focar, agora, a perspectiva do direito da assistente de deduzir a acusação através do requerimento de abertura da instrução, a não admissibilidade de renovação do requerimento por decurso do prazo não constitui uma limitação desproporcionada do respectivo direito, na medida em que tal facto lhe é exclusivamente imputável, para além de constituir – na sua possível concretização - uma considerável afectação das garantias de defesa do arguido.
Dir-se-á, por último, que do ponto de vista da relevância constitucional merece maior tutela a garantia de efectivação do direito de defesa (na medida em que protege o indivíduo contra possíveis abusos do poder de punir), do que garantias decorrentes da posição processual do assistente em casos de não pronúncia do arguido, isto é, em que o Ministério Público não descobriu indícios suficientes para fundar uma acusação e, por isso, decidiu arquivar o inquérito.
Este balanceamento dos interesses em causa basta para mostrar que a aceitação da exclusão do direito de renovar um requerimento nulo pelo decurso do prazo peremptório fixado não desencadeia uma limitação excessiva ou desproporcionada do direito de acusar do assistente, pelo que o recurso de constitucionalidade não pode proceder.
Tais considerações são também aplicáveis, com as necessárias adaptações, no presente processo.
Conclui‑se, por tudo o que foi dito, pela não inconstitucionalidade da norma apreciada.
III
Decisão

9. Ante o exposto, o Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucional a norma constante dos artigos 287º e 283º do Código de Processo Penal, segundo a qual não é obrigatória a formulação de um convite ao aperfeiçoamento do requerimento para abertura da instrução, apresentado pelos assistentes, que não contenha uma descrição dos factos imputados ao arguido, negando, consequentemente, provimento ao recurso e confirmando o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 14 de Julho de 2005
Maria Fernanda Palma

o tráfico e o estabelecimento prisional

É algo de interessante o seguinte sumário:
Tráfico de estupefaciente — estabelecimento prisional — tráfico agravado — tráfico comum — tráfico de menor gravidade1 - As circunstâncias que podem agravar a moldura do crime de tráfico de estupefacientes, previstas no art.º 24º do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, não são de funcionamento automático, pelo que é admissível que o arguido que detém cerca de 50 gramas de haxixe no interior do estabelecimento prisional onde se encontra a cumprir pena, em que não se prova o destino que lhe pretendia dar, não seja punido por força do referido art.º 24.º, al. h), dada a natureza e quantidade do produto e a existência de uma mera detenção.2 – Mas, a circunstância do tráfico ser exercido em estabelecimento prisional é suficientemente forte para impedir que a imagem global do facto seja a de uma ilicitude acentuadamente diminuída, pelo que teria sido correcto punir o arguido no quadro do tráfico comum, p.p. no art.º 21.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e não no de menor gravidade.Ac. de 21.04.2005 do STJ, proc. n.º 1273/05-5, Relator: Cons. Santos Carvalho
Agora, o caso é o da namorada que visita a sua paixão corporizada e ao ser revistada pelos Guardas prisionais é encontrada com 2,10 gr. de heroína.
A não automaticidade das circunstâncias a que alude o art. 24º advem da existência da clausula descrita no art. 25º da menor ilicitude do facto. Assim, e tomando em primeira linha o tipo-base do art. 21º, há que verificar se existem indícios concretos e certos para o discurso da ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída. A existir resposta positiva, inexiste qualquer carácter automático. Violar-se-à o princípio da tipicidade ? Não. De facto, não é perceptível ao destinatário das normas jurídico penais que a referida namorada esteja em posição de lhe ser aplicada uma pena de 4 a 12 anos de prisão, e muito menos de um limite mínimo de 5 anos e 4 meses caso subsista a interpretação da automaticidade das alíneas do art. 24º. Assim, verifica-se uma redução quantitativa do discurso hermenêutico no âmbito do tráfico de menor gravidade da automaticidade das circunstâncias do art. 24º por apelo ao discurso da ilicitude diminuída descrito no art. 25º, ponte essa obrigatória sob a corrente comunicativa de imposição constitucional descrito no art. 18º da C.R.P.. De facto, seria desproporcional aplicar-se aos correios de droga 5 anos de prisão, e à nossa Julieta um mínimo de 5 anos e 4 meses de prisão...