6 de dezembro de 2007

O crime de abuso de confiança fiscal e o novo da Lei do Orçamento 2007

Acordam no Tribunal da Relação do PortoNos autos de processo comum singular n.º …./03.2TAMTS, do .º Juízo Criminal de Matosinhos, foram os arguidos B………., Lda, e C………. . id A fls. 330 pronunciados pela prática de um crime de abuso de confiança p. e p. pelo art.º 107º do RGIT.Em 28 de Fevereiro de 2007 o Sr. Juiz proferiu o seguinte despacho:“Nos presentes autos é imputada aos arguidos (pessoa colectiva e pessoa singular) a prática de um crime de abuso de confiança fiscal.A necessidade deste despacho interlocutório prende-se com a entrada em vigor da Lei 53-A/2006, de 29/12 e que aprovou o Orçamento do Estado para 2007 designadamente com as alterações introduzidas ao Regime Geral das Infracções Tributárias (Lei 15/2001, de 05/06). A alteração que ora nos interessa é aquela que respeita ao crime de abuso de confiança fiscal tipificado no art.º 105° da Lei 15/2001, de 05/06, mormente no que concerne à introdução de uma nova alínea ao número 4 da norma em causa.O aditamento efectuado traduz-se na consideração de que «os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se a prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito».Assim, da confrontação do anterior regime com o agora emergente da referida alteração resulta que o crime de abuso de confiança fiscal só é punível quando, para além do mais, decorra o prazo de 90 dias sobre o termo do prazo legal da entrega da prestação e seja efectuada uma notificação para que se proceda ao pagamento da prestação comunicada à administração fiscal, com acréscimo de juros e coima aplicável, em 30 dias a contar dessa mesma notificação.Não há qualquer dúvida que a primeira alínea (e antes da presente alteração a única) do n.º 4 do art.º 105° do RGIT consagra uma verdadeira condição objectiva de punibilidade. Mas será que esta nova alínea introduzida também constitui uma condição objectiva de punibilidade (a acrescer à já anteriormente existente)?Vejamos.Quando o legislador formula uma condição objectiva de punibilidade o escopo não é o «redesenhar» do ilícito; é uma condição própria e, nessa medida, apenas restritiva da punibilidade do facto típico sendo, pois, estranha a considerações de conduta proibida. É apenas um «aliud» ao ilícito, consubstanciando uma exigência que se reporta à garantia e não ao ilícito.Saber se a nova alínea é uma verdadeira condição objectiva de punibilidade é deveras importante para se poder determinar qual a solução a dar ao caso dos autos.O RGIT consagrava (antes da entrada em vigor da Lei do Orçamento) um tipo de ilícito que fazia apelo, para a sua punição penal, à necessidade de se verificar uma mora qualificada (90 dias) - e tanto assim é que a mera mora, ou seja, a mora inferior a 90 dias, era punida unicamente como contra-ordenação! Ora, com a introdução da já referida nova alínea, o legislador não veio dispor ou caracterizar uma qualquer mora - se o tivesse feito seria inevitável a conclusão de que estaríamos perante nova condição objectiva de punibilidade. O legislador consagrou uma nova circunstância que se dirige directamente ao agente do facto ilícito e que, por isso mesmo, deve ser integrada no próprio cerne da conduta proibida. A administração fiscal notifica o agente e este tem 30 dias para liquidar a prestação já comunicada através da competente declaração e só se decorrer aquele prazo e o agente omitir a liquidação é que existe crime.Estamos em crer que esta deverá ser a solução se atentarmos no facto de até à data o legislador apenas ter criminalizado uma mora qualificada relativamente ao imposto, que é o objecto material do crime em questão, e com o novo aditamento ter vindo estabelecer uma mora específica, num contexto relacional qualificado, e dirigida ao próprio agente do facto ilícito.Aliás, estas considerações saem confirmadas se atentarmos na plêiade de questões que se podem colocar e para as quais, em bom rigor, não há resposta válida e cabal. Desde logo se põe a questão de quem deve ser notificado para o cumprimento? A coima respeita a que contra-ordenação? Qual o montante da mesma? Quem a fixa? Todas estas questões que, em bom rigor, ainda não encontram resposta cabal e válida no ordenamento jurídico, necessitando, pois, de ulterior intervenção do legislador neste sentido, acabam por induzir pela interpretação que ao permitir-se que a administração fiscal entre em confronto directo com o eventual agente do crime o legislador está a proceder a um nove «recorte» ou a «redesenhar» o comportamento violador do bem jurídico património fiscal. O que, assim sendo, também significa que o ilícito é «reconfigurado» pelo adicionamento de um novo elemento e não que tenha havido a consagração de uma condição objectiva de punibilidade (deixando, pois, intocado o tipo-de-ilícito já anteriormente desenhado).Ora, isto vale por concluir no sentido de que a conduta dos autos se encontra despenalizada.Consequentemente, declara-se extinto o procedimento criminal intentado contra os arguidos”.(…)
Nesta Relação, o Ex.mo PGA emite douto parecer no sentido de que os recursos merecem provimento.(…)
Posto isto, analisemos a questão que nos é colocada.O que para nós até é fácil já que existem duas correntes jurisprudenciais, ambas com excelentes argumentos, bastando, por isso, aderir a uma delas.Escreveu-se no acórdão desta Relação de 14-02-2007, disponível em www.dgsi.pt:“Como questão prévia, ao conhecimento do mérito do recurso, importa equacionar a alteração originada pela nova redacção atribuída ao artigo 105º/4 do RGIT, dada pelo artigo 95º da Lei 53-A/2006, Lei do Orçamento, que dispõe que «os factos só são puníveis se:a) tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo legal do prazo de entrega da prestação e,b) a prestação comunicada à administração tributária, através da correspondente declaração, não for paga acrescida de juros respectivos e do valor da coima aplicável no prazo de 30 dias após a notificação feita para o efeito», que constitui a parte da norma com a nova redacçãoComo decidiu o Ac STJ, cremos que ainda inédito, proferido no processo 4086/06 da 3ª secção, que passaremos a seguir de perto, transcrevendo, com a devida vénia:«Duas orientações surgem, desde já, sobre a interpretação desta norma:Uma que entende que o legislador manteve a anterior condição de punibilidade agora constante da alínea a).No regime anterior antes do aditamento da referida alínea b), a possibilidade de pagamento da prestação tributária, com o limite de € 2.000,00, era uma circunstância extintiva da responsabilidade criminal.Actualmente, o não pagamento da prestação tributária, seja qual for o valor que esteja em dívida, constitui uma segunda condição de punibilidade.Atente-se na letra da lei «os factos só são puníveis».Os defensores desta posição, entendem que, não obstante a alteração do regime punitivo, o crime de abuso de confiança fiscal consuma-se com o vencimento do prazo legal de entrega da prestação tributária e que, em sede de tipicidade, a lei orçamental nada alterou. Todavia, ressalvam a aplicabilidade do disposto no artigo 2°/4 C Penal, uma vez que o regime actualmente em vigor é mais favorável para o agente, quer sob o prisma da extinção da punibilidade pelo pagamento, quer na óptica da punibilidade da conduta, como categoria que acresce à tipicidade, à ilicitude e à culpabilidade, cfr. decisão do Tribunal Colectivo de Santarém de 24.1.2007. Numa outra perspectiva se colocam aqueles para quem, no regime anteriormente vigente, o tipo de ilícito se reconduzia a uma mora qualificada no tempo - 90 dias - sendo a mora simples punida como contra-ordenação, ilícito de menor gravidade. Neste momento, o legislador adita uma circunstância que por se referir ao agente, e não constituindo assim um «alliud» na punibilidade como parece a norma fazer crer, encontra-se no cerne da conduta proibida. Aditam, nesta linha de argumentação que não é o facto de o legislador afirmar que “só são puníveis se” que torna líquida a existência de uma condição objectiva de punibilidade. É antes a necessidade de o legislador pretender caracterizar uma determinada mora.Assim, impõe-se agora que o agente não entregue à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar pelo prazo superior a 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação e desde que não tenha procedido ao pagamento da prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito. Nesta perspectiva e, para os defensores desta tese, existe algo de novo no recorte operativo do comportamento proibido violador do bem jurídico património fiscal, precisamente o facto de a administração fiscal entrar em directo confronto com o eventual agente do crime. Em suma, o legislador até aqui criminalizou uma mora qualificada relativamente a um objecto material do crime, o imposto, atendendo aos fins deste. Agora, pretendeu estabelecer como crime uma mora específica e num contexto relacional qualificado. Consequentemente, concluem pela despenalização, cfr. decisão do 2º Juízo de competência especializada de Leiria.A questão suscitada entronca directamente com a da distinção entre condição objectiva de punibilidade e pressuposto processual. Como referem Zipf e Maurach, in Derecho Penal, Parte General, I vol., 371 e ss, o poder punitivo do Estado é fundamentalmente desencadeado pela realização do tipo imputável ao autor. Não obstante, em determinados casos, para que entre em acção o efeito sancionador requerem-se outros elementos para além daqueles que integram o ilícito que configura o tipo. Por vezes essas inserções ocasionais da lei, entre a comissão do ilícito e a sanção concreta, inscrevem-se no direito material - hipótese em que se fala de condições objectivas ou externas de punibilidade noutros casos constituem parte do direito processual e denominam-se pressupostos processuais.As condições objectivas de punibilidade são aqueles elementos do tipo situados fora do delito, cuja presença constitui um pressuposto para que a acção antijurídica tenha consequências penais. Apesar de integrarem uma componente global do acontecer e da situação em que a acção incide, não são, não obstante, parte desta acção.Por seu turno, os pressupostos processuais são regras do procedimento cuja existência se fundamenta na possibilidade de desenvolver um procedimento penal e ditar uma sentença de fundo. Como os pressupostos processuais pertencem exclusivamente ao direito processual não afectam nem o conteúdo do ilícito, nem a punibilidade do facto, limitando-se exclusivamente a condicionar a prossecução da acção penal.Na distinção dos dois conceitos, e segundo Roxin, é elegível uma solução intermediária. Assim, parece preferível, considerar que a consagração de um elemento ao Direito material e, consequentemente a sua eleição como condição de punibilidade, não depende de que esteja desligado do processo, nem sequer de qualquer uma conexão com a culpabilidade, mas sim da sua vinculação ao acontecer da facto, solução proposta, essencialmente, por Gallas. Este sustenta que as circunstâncias independentes da culpa podem ser consideradas condições objectivas de punibilidade se estão em conexão com o facto, ou seja, se pertencem ao complexo de facto no seu conjunto. Nesta lógica os pressupostos processuais são as circunstâncias alheias ao complexo do facto.Schmidhauser precisou esta posição exigindo para o Direito material, e em relação à condição de punibilidade, que se trate de uma circunstância cuja ausência já em conexão imediata com o facto tenha como consequência definitiva a impunidade do agente. O breve discurso teórico ora elaborado habilita-nos a considerar que existe alguma confusão conceptual na segunda daquelas posições. Tal patologia resulta, desde logo, da circunstância de o crime de abuso de confiança fiscal ser um crime omissivo puro que se consuma no momento em que o agente não entregou a prestação tributária que devia, ou seja, consuma-se no momento em que o mesmo não cumpre a obrigação tributária a que estava adstrito. A norma do artigo 105º do RGIT não permite outra interpretação e reconduzir ao núcleo da ilicitude e da tipicidade o que são condições de exercício da acção penal não está de acordo com o espírito ou a letra da lei. A mesma confusão, expressa naquela posição, resulta da própria noção do bem jurídico tutelado. O que está em causa não é a mora, que constitui uma mera condição de punibilidade, mas sim a conduta daquele que perante a administração fiscal, agindo esta no interesse público, omite um dos seus deveres fundamentais na sua relação com o Estado. Assim, entendemos que, perante esta alteração legal, nos encontramos perante uma condição objectiva de punibilidade na medida em que se alude a uma circunstância em relação directa com o facto ilícito, mas que não pertence nem ao tipo de ilícito nem à culpa. Constitui um pressuposto material da punibilidade, cfr. Jeschek, Tratado de Derecho Penal, 506.Na esteira dos autores citados, diferenciamos a construção relativa ao pressuposto processual. Na verdade, na condição de punibilidade expressa-se o grau específico de violação da ordem jurídica enquanto no pressuposto processual responde a circunstância que se opõe ao desenvolvimento do processo penal. A ausência dos primeiros conduz à absolvição e a dos segundos ao arquivamento.Por qualquer forma, quer em relação à condição objectiva de punibilidade quer em relação ao pressuposto processual na asserção de Bulow, citado por Figueiredo Dias, segundo o qual pressupostos processuais são pressupostos, não da existência de um processo, mas sim da admissibilidade de um processo, estamos em face de institutos cujo conteúdo contende com o próprio direito substantivo, na medida em que a sua teleologia e as intenções jurídico criminais que lhe presidem têm ainda a ver com a efectivação de punição que nesta mesma encontram a sua razão de ser, devendo ser dado o tratamento mais favorável.Para alcançar a mesma conclusão numa outra perspectiva se coloca Taipa de Carvalho, in Sucessão de Leis no tempo, 213, quando estabelece a destrinça entre normas processuais penais materiais e normas processuais penais formais. As primeiras contendem directamente com os direitos do arguido e/ou condicionam a efectivação da responsabilidade penal, enquanto as segundas, regulamentando o desenvolvimento do processo, não produzem os efeito jurídico materiais derivados das primeiras. A aplicação do princípio da lei mais favorável estaria reservado às primeiras enquanto que às segundas vigoraria o princípio “tempus regit actum”.Entendemos que sendo a génese de um instituto processual ou substancial directamente equacionada com a tutela das garantias do cidadão, ou com a possibilidade de intervenção estadual no capítulo dos direitos, liberdade e garantias, é um imperativo constitucional o da aplicação da lei mais favorável, artigo 29º/4 da Constituição da República.Do exposto deriva, duas ordens de consequências:- a primeira consubstancia-se no entendimento de que a nova redacção do artigo 105 do RGIT e, nomeadamente do seu nº. 4, consagra uma condição objectiva de punibilidade;- a segunda, que radica na primeira, conduz à conclusão da aplicabilidade de tal condição ao caso vertente por aplicação directa do principio da lei mais favorável, ínsito no artigo 2º/4 C Penal”. O Acórdão desta Relação de 6-06-2007, relatado pela Ex.ma Desembargadora, Dr.ª Isabel Martins, em cujo sumário se lê, “a norma da alínea b) do nº 4 do art.º 105º do RGIT, introduzida pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, é uma norma descriminalizadora”, vai ao fundo da questão e conclui – e bem - pela despenalização.Subscrevemos, sem reservas, o que nele se escreve:“Comete o crime de abuso de confiança fiscal, conforme artigo 105.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, «quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária deduzida nos termos da lei e que estava obrigado a entregar».Na versão primitiva, dizia o n.º 4 daquele artigo 105.º que o facto só era punível se tivessem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação. E o n.º 6 do mesmo artigo 105.º estabelecia que «se o valor da prestação (...) não exceder € 2000, a responsabilidade criminal extingue-se pelo pagamento da prestação, juros respectivos e valor mínimo da coima aplicável pela falta de entrega da prestação no prazo legal, até 30 dias após a notificação para o efeito pela administração tributária». Ao crime de abuso de confiança contra a segurança social é correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 4 e 6 do artigo 105.º (artigo 107.º, n.º 2, do RGIT).Sem divergências que se conheçam, tem sido entendido que o n.º 4 estabelecia uma condição de punibilidade (o decurso de mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação) e que o n.º 6 consagra uma causa de extinção da responsabilidade criminal (o pagamento da prestação, juros respectivos e valor mínimo da coima aplicável até 30 dias após notificação para o efeito pela administração tributária), limitada, todavia, pelo valor da prestação («se o valor da prestação ... não exceder € 2000»).O artigo 95.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2007, alterou a redacção do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, o qual passou a ter a seguinte redacção:«4 – Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:«a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;«b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após a notificação para o efeito.»Perante a alteração legislativa, a primeira constatação que se impõe é a de que o legislador não alterou o n.º 6 do artigo 105.ºOu seja, manteve uma causa de extinção da responsabilidade penal (limitada a um certo valor máximo da prestação), quando passou a considerar os factos que consubstanciam a causa de extinção da responsabilidade penal, mas agora sem qualquer limite, como causa de não punição penal pelo facto.Se a solução da coexistência da actual alínea b) do n.º 4 com o n.º 6 (inalterado) não se mostra congruente, releva, pelo menos, para evidenciar que o legislador não quis alterar a redacção do n.º 6 do artigo 105.º por forma a não limitar a eficácia extintiva da responsabilidade criminal pelo pagamento da prestação, juros respectivos e valor mínimo da coima aplicável a um valor máximo da prestação.Se o tivesse querido fazer, não aditaria uma nova alínea ao n.º 4 e bastava-lhe eliminar o primeiro segmento do n.º 6 («se o valor da prestação a que se referem os números anteriores não exceder € 2000»).Parece, portanto, que se pode concluir que o pagamento da prestação comunicada à administração tributária através da respectiva declaração, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito, deixou de ser configurada como uma verdadeira causa de extinção da responsabilidade criminal.A punibilidade do facto passa a depender, para além de terem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação (alínea a) do n.º 4 do artigo 105.º), de a prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não ser paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito (alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º).O facto só é punível se verificadas essas duas condições.A questão com que nos confrontamos está em saber qual a consequência que implica, nos processos pendentes de recurso, a introdução legislativa de uma condição de punição do facto que não se mostra preenchida, pela razão simples de que a sua verificação não era reclamada no momento em que foi deduzida a acusação nem no momento da sentença da 1.ª instância.Ao que sabemos as soluções jurisprudenciais da questão têm sido divergentes, deparando-se-nos duas grandes linhas antagónicas de orientação. Uma passa pelo entendimento de que, não se verificando a condição, a conduta está despenalizada, o que deve ser imediatamente declarado, outra vai no sentido de «procurar» que ao arguido seja dada a oportunidade de satisfazer a condição (notificando-o para, em 30 dias, pagar a prestação, acrescida dos respectivos juros e do valor da coima aplicável) para só chegar àquele resultado se o arguido vier a satisfazer o pagamento.Na última solução não se encontra critério uniforme quanto às vias de notificação, no que se compreende a própria competência para a mesma, e pode, sem dificuldade, antecipar-se a controvérsia na resolução dos mais variados problemas que, inevitavelmente, advirão dessa notificação.Seja-nos permitido, aqui, à laia de desabafo, recordar palavras de Taipa de Carvalho:«Não pode haver uma jurisprudência penal justa e eficaz, se esta – a jurisprudência – não for precedida de uma legisprudência.«Legisprudência pressupõe e significa bom senso, racionalidade jurídica, coerência normativa, domínio da dogmática e da técnica legislativa em geral e do ramo do direito em que o legislador intervém em especial, rigor e precisão linguística – o que exige domínio da estrutura e da semântica da língua. Digamos que, tal como a jurisprudência – aplicação da lei -, também a legisprudência pressupõe a virtude da «prudência», isto é, uma «arte» e uma «sabedoria», ou, se preferirmos, uma técnica legislativa (-) e um saber jurídico.«Ora, legisprudência é o que, efectivamente, não tem acontecido entre nós. A míope mundividência tecnocrática do nosso tempo, com a sua arrogante e «pragmática» autosuficiência, tem contribuído, decisivamente, para o caos legislativo e, consequentemente, para uma baixa da qualidade da justiça penal.«As leis multiplicam-se, irracionalmente, atropelam-se, contradizem-se e, deste modo, se neutralizam; à codificação reflectida, participada, unitária, coerente e relativamente estável sucede-se a substituição dos códigos penais com a mesma facilidade como se de leis extravagantes se tratasse; o casuísmo legislativo impera, com uma proliferação infindável de leis avulsas. Este fenómeno, pelo seu exagero, desagrega o sistema e corrói a ordem jurídica, especialmente a jurídico-penal, ao mesmo tempo que gera a insegurança jurisprudencial e a desconfiança do cidadão face ao direito e aos tribunais (-).«Tal procedimento contraria a dignidade e correspondente responsabilidade do legislador enquanto órgão (função) nuclear do Estado-de-Direito.» Voltando à questão que nos ocupa, e como antes referimos, a alteração legislativa introduzida ao n.º 4 do artigo 105.º significa a introdução de uma circunstância nova para a punição do facto.O facto só é punível se se verificarem, cumulativamente, as condições descritas nas alíneas a) e b). Por regra, o facto típico, ilícito e que possa ser pessoalmente censurado ao agente também é punível.No entanto, alguns tipos reclamam a verificação de outras circunstâncias, além da culpa por uma acção típica e ilícita, para que haja punibilidade e, noutros casos, a concorrência de determinadas circunstâncias exclui a punibilidade que, de outro modo, se produziria.Tais elementos adicionais e excepcionais, que não pertencem nem à tipicidade, nem à ilicitude, nem à culpa, porque não respeitam à função dogmática e político-criminal própria destas categorias, são incluídos numa sede sistemática própria que conformará uma quarta categoria da teoria geral do crime. «Com o tipo de ilícito e o tipo de culpa não se esgota o conteúdo do sistema do facto penal, antes se torna indispensável completá-lo com uma outra categoria, que bem poderá chamar-se da “punibilidade”».Nesta categoria, recolhem-se e elaboram-se uma série de elementos ou pressupostos que o legislador, por razões diversas, pode exigir para fundamentar ou excluir a imposição de uma pena e que só têm em comum não pertencerem nem à tipicidade, nem à ilicitude nem à culpa e o seu carácter contingente, quer dizer, só se exigem em alguns tipos concretos. Como diz Figueiredo Dias, «décadas de especulação levaram só à magra conclusão (negativa) de que ali se trata de um conjunto de pressupostos que, se bem que se não liguem nem à ilicitude, nem à culpa, todavia decidem ainda da punibilidade do facto».Na categoria da punibilidade incluem-se os pressupostos adicionais que a fundamentam (as chamadas condições objectivas de punibilidade) e os pressupostos que a excluem (as chamadas causas de exclusão da punibilidade ou da pena).Pressuposto de punibilidade é todo o elemento que, não relevando ao nível do tipo-de-ilícito ou do tipo-de-culpa, todavia torna o facto susceptível de provocar um efeito ou consequência jurídica, tornando possível que esta se desencadeie.As condições objectivas de punibilidade são circunstâncias que devem somar-se à acção para que se gere a punibilidade. A concreta punição do facto depende da sua afirmação (concorrência).Delas devem distinguir-se as condições objectivas de procedibilidade que condicionam, não a existência do crime, mas a sua perseguição penal, ou seja, a abertura de um processo penal. Trata-se, aqui, de pressupostos processuais, de obstáculos processuais.A propósito da distinção, refere Jeschceck que a falta de uma condição objectiva de punibilidade, no momento do julgamento implica a absolvição, quando falta um pressuposto o processo “detém-se”. Também Roxin, salientando as dificuldades de delimitação entre direito material e direito processual a partir das suas consequências práticas, reconhece que, não obstante, estas são distintas. Assim, a atribuição de um elemento a um ou outro sector do direito repercute-se, sobretudo, num diferente tratamento no processo penal. A falta um pressuposto jurídico-material da punibilidade, dá lugar à absolvição; enquanto que a falta de um pressuposto de procedibilidade determina a suspensão ou o arquivamento.As causas de exclusão da pena são circunstâncias cuja concorrência exclui a punibilidade e cuja não concorrência é pressuposto da punibilidade. A este propósito é frequente distinguir entre causas pessoais de exclusão da punibilidade, causas materiais (objectivas) de exclusão da punibilidade e causas de supressão da punibilidade. As causas pessoais de exclusão da punibilidade são circunstâncias que se opõem à punição por concorrerem no momento da acção; nas causas pessoais de exclusão da punibilidade a exclusão da pena não afecta todos os intervenientes mas só aquele em que se verifica o elemento que exclui a punibilidade. Neste ponto radica a diferença com a causa material (objectiva) de exclusão da punibilidade. As causas pessoais de supressão da punibilidade são circunstâncias que só se produzem depois da comissão da acção punível e que eliminam, com carácter retroactivo, a punibilidade.Figueiredo Dias salienta a ideia de que os pressupostos (adicionais) de punibilidade, seja sob a forma de «condições objectivas de punibilidade», seja sob a forma de «causas de exclusão da pena», «têm que ver directamente com a dignidade penal do facto, com exigências de prevenção, geral e especial, que nele radicam mas não esgotam o seu significado no tipo de ilícito ou no tipo de culpa. Por outras palavras, ainda: o facto em que se verifica o tipo de ilícito e o tipo de culpa é em princípio também um facto digno de pena; mas pode acontecer que excepcionalmente o não seja se, por falta de uma condição de punibilidade, se revela que o facto como um todo, na sua unidade, na sua imagem global, não atinge os limiares mínimos da exigência preventiva da punição, em suma, da sua dignidade penal».E parece ser, justamente, a consideração da dignidade penal do facto, ou melhor, da falta de dignidade penal do facto que levou o legislador à alteração legislativa que nos ocupa.No relatório OE2007, sob a epígrafe «Despenalização da Não Entrega de Prestações Tributárias (Retenções de IR/Selo e IVA)», consta a seguinte exposição de motivos:«A entrega da prestação tributária (retenções de IR/selo e IVA) está actualmente associada à obrigação de apresentação de uma declaração de liquidação/pagamento. A falta de entrega da prestação tributária pode estar associada ao incumprimento declarativo ou decorrer simplesmente da falta de pagamento do imposto liquidado na referida declaração. Quando a não entrega da prestação tributária está associada à falta declarativa existe uma clara intenção de ocultação dos factos tributários à Administração Fiscal. O mesmo não se poderá dizer, quando a existência da dívida é participada à Administração Fiscal através da correspondente declaração, que não vem acompanhada do correspondente meio de pagamento, mas que lhe permite desencadear de imediato o processo de cobrança coerciva.«Tratando-se de diferentes condutas, com diferentes consequências na gestão do imposto, devem, portanto, ser valoradas criminalmente de forma diferente.«Neste sentido, não deve ser criminalizada a conduta dos sujeitos passivos que, tendo cumprido as suas obrigações declarativas, regularizem a situação tributária em prazo a conceder, evitando-se assim a “proliferação” de inquéritos por crime de abuso de confiança fiscal que, actualmente, acabam por ser arquivados por decisão do Ministério Público na sequência do pagamento do imposto.»A «justificação» do legislador para a alteração legislativa, embora revele uma opção político-criminal baseada ainda na prossecução de fins extra-penais (evitar os custos da proliferação de inquéritos), não deixa, por isso, de reflectir a ideia da dignidade penal do facto.E, como diz Figueiredo Dias, podem ser, efectivamente, imposições de fins extra-penais que fundamentam a punibilidade; tais imposições finais conformam opções político-criminais que, através da ideia base da dignidade penal, são vertidas na categoria sistemática dos pressupostos da punibilidade. O sistema interioriza-as e interiorizando-as exprime essencialmente a ideia de que o comportamento é um tal que, apesar do conteúdo do tipo de ilícito e do tipo de culpa que contém, se não revela na sua globalidade, segundo o desvalor ético-social do seu substrato, comunitariamente insuportável. Do que se trata nas exigências de terem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação (alínea a) do n.º 4 do artigo 105.º) e de a prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não ser paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima, no prazo de 30 dias após a notificação para o efeito (alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º) é de circunstâncias cuja verificação é reclamada para que se gere a punibilidade.A punibilidade da conduta está subordinada à ocorrência (verificação) de tais condições.Propendemos a vê-las como condições objectivas de punibilidade.A condição da alínea a) reclama o mero decurso do prazo de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação.A qual é imposta por exigências de compatibilidade lógica com a conduta contra-ordenacional prevista no artigo 114.º do RGIT. Com efeito, a não entrega da prestação tributária pelo período de 90 dias é punível com coima; só decorridos os 90 dias é que a falta de entrega da prestação tributária pode constituir crime.Agora, com a introdução da alínea b) ao n.º 4, a falta de entrega da prestação tributária só poderá constituir crime fiscal se tiverem decorrido 90 dias após o termo do prazo em que a entrega deveria ter sido efectuada e, além disso, é necessário que, decorrido tal prazo de 90 dias, o omitente seja notificado para, em 30 dias, pagar a prestação, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável e que, decorridos esses 30 dias, tal pagamento não se mostre efectuado.As condições das alíneas a) e b) do n.º 4 são cumulativas e material e temporalmente distintas. À condição da alínea a) tem de acrescer (em momento temporal posterior aos 90 dias) a condição da alínea b) e a sua satisfação passa por um prévio acto expresso de notificação para pagamento, no prazo fixado (30 dias), das quantias referidas (sendo que a “coima aplicável” parece que terá de ser a prevista no artigo 114.º[18] e isto também porque a falta de entrega por período superior a 90 dias é punível com coima desde que os factos não constituam crime).O entendimento de que essas circunstâncias assumem a natureza de pressupostos adicionais de punibilidade e verdadeiras condições objectivas de punibilidade não é, porém, isento de dúvidas.As condições objectivas de punibilidade são factos futuros e incertos (condições), independentes da vontade do autor (objectivas), que determinam/condicionam a punição; não desempenham uma função estruturante do facto típico-ilícito, este já está completamente preenchido, independentemente de concorrerem ou não.Ora, torna-se difícil afirmar a existência de um crime completo em todos os seus elementos sem o decurso do prazo de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação (no prazo de 90 dias a falta de entrega da prestação conforma uma contra-ordenação) e, agora, sem a notificação do omitente para pagar a prestação, juros respectivos e coima, no prazo de 30 dias, e a falta de pagamento, nesse prazo. Ou seja, que tais circunstâncias sejam puramente objectivas e extrínsecas ao tipo-de-ilícito, condicionando unicamente a punibilidade.Não parece que a tais circunstâncias sejam absolutamente alheias considerações de ilicitude e, por outro lado, estão materialmente ligadas à tipicidade; são imprescindíveis para que se confira relevância típica à conduta.De qualquer modo, sejam essas circunstâncias condições objectivas de punibilidade ou próprios elementos objectivos do tipo, tal é indiferente para a solução da questão que nos ocupa. As condições objectivas de punibilidade participam de todas as garantias do Estado de Direito impostas aos elementos do tipo.Também elas estão sujeitas ao princípio da legalidade, cujo conteúdo essencial se traduz em que não pode haver crime, nem pena que não resultem de uma lei prévia, escrita, estrita e certa, e também às suas fundamentais implicações consubstanciadas na proibição da analogia e no princípio da proibição da retroactividade desfavorável (in malem partem, isto é, contra o agente).A proibição da retroactividade funciona apenas a favor do agente e não contra ele (tal como acontece com a analogia e pelas mesmas razões substanciais). Por isso, a proibição da retroactividade vale relativamente a todos os elementos da punibilidade, à limitação de causas de justificação, de exclusão ou de diminuição da culpa e às consequências jurídicas do crime, qualquer que seja a sua espécie.A consequência mais relevante do princípio segundo o qual a proibição da retroactividade só vale contra o agente traduz-se no princípio da aplicação da lei ou regime mais favorável (retroactividade favorável - lex mellior), devendo, hoje, considerar-se que, tanto a proibição da retroactividade in peius como a imposição da retroactividade in mellius, são garantias ou mesmo direitos fundamentais constitucionalmente consagrados.No âmbito da fundamentação da retroactividade da lei penal mais favorável encontram-se razões e justificações várias. A posição mais acertada parece ser a que sustenta que o fundamento da retroactividade da lei penal mais favorável se deve ver na ausência de interesse por parte do Estado seja em punir determinadas acções seja em aplicar-lhes uma pena mais grave, quer dizer, em definitivo, razões político-criminais que, precisamente por o serem, podem girar em torno de uma multiplicidade de considerações materiais, recondutíveis às exigências do princípio da proibição do excesso ou do merecimento de pena.Como diz Roxin:«Se no momento da condenação o legislador considera que uma conduta é menos merecedora de pena ou inclusivamente que não o é, em absoluto, de um ponto de vista político-criminal não teria o menor sentido, não obstante, punir de acordo com a concepção vigente no momento do facto, que, entretanto, foi superada.» A alteração legislativa consubstanciada na adição da alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT confronta-nos com um problema de aplicação da lei penal no tempo que tem de ser resolvido na consideração desses princípios, os quais foram expressamente acolhidos na Constituição (artigo 29.º), ou seja, na imposição da irretroactividade in peius e da retroactividade in mellius.As hipóteses de alterações legais, englobadas na designação de sucessão de leis penais, não prescindem da compreensão de que, sob essa designação, se engloba tanto a sucessão em sentido amplo como a sucessão stricto sensu.«Sendo assumida, muitas vezes, num sentido amplo, há, todavia, que reconhecer que tal acepção é metodologicamente incorrecta e pode conduzir a consequências (decisões) práticas injustas e mesmo inconstitucionais. Daqui, a importância teórico-prática da definição rigorosa de sucessão de leis penais: a caracterização da sucessão de leis stricto sensu é pressuposto e condição da aplicação (retroactiva) da lei penal mais favorável (CRP, artigo 29.º, n.º 4 – 2.ª parte; CP, artigo 2.º, n.º 4). Por outras palavras, é conditio sine qua non da delimitação do âmbito de intervenção do n.º 2 (despenalização do facto) e do n.º 4 (atenuação da responsabilidade penal: aplicação retroactiva da lex mitior).».Trata-se, afinal, de delimitar o âmbito de aplicação do n.º 2 do artigo 2.º do Código Penal (descriminalização/despenalização e consequente aplicação retroactiva da lei nova) e do n.º 4 do mesmo artigo 2.º (de entre as leis em confronto, aplicação da lei mais favorável), o que significará a decisão de pura e simples inexistência de responsabilidade penal ou, considerando-se que se está perante uma verdadeira sucessão de leis penais, decisão de aplicação da lei penal menos desfavorável ao agente.Ainda que se parta do entendimento de que, com a actual alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, o legislador introduziu apenas uma nova condição objectiva de punibilidade, parece forçoso concluir que, a partir de 1 de Janeiro de 2007, a punibilidade do crime de abuso de confiança fiscal e do crime de abuso de confiança contra a segurança social reclama a verificação desse pressuposto.Na sua falta, não estão verificados todos os pressupostos indispensáveis para que a punição possa desencadear-se.Com efeito, «em vez de dizer-se que os pressupostos de punibilidade desencadeiam sem mais a punição, melhor se dirá que, uma vez eles verificados, se perfecciona o Tatbestand (no sentido da Teoria Geral do Direito) que faz entrar em jogo a consequência jurídica (Rechtsfolge) e a sua doutrina autónoma».Em suma, com a não entrega à administração tributária da prestação tributária que o agente deduziu nos termos da lei e que estava obrigado a entregar, depois de decorridos 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação, não pode ser afirmada a dignidade penal do facto e, portanto, a punibilidade.A punibilidade do facto exige, ainda, que haja uma notificação do agente para, no prazo de 30 dias, pagar a prestação tributária, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, e que o agente, nesse prazo, não proceda ao pagamento para que foi notificado.Como ela não se verifica nos processos pendentes, a aplicação da lei nova tem como inevitável consequência o reconhecimento da descriminalização do facto.Do que se trata, portanto, é da aplicação do n.º 2 do artigo 2.º do Código Penal.Não estamos perante uma sucessão de leis penais stricto sensu, a resolver segundo o n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal.O facto não é punível tanto pela lei antiga como pela lei nova.Por isso, proceder-se, agora, à notificação do agente para, em 30 dias, pagar a prestação comunicada, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável mais não traduz do que uma aplicação retroactiva in malem partem, absolutamente proibida”.Nada mais se pode acrescentar a esta excelente fundamentação.DECISÃO:Termos em que se nega provimento ao recurso, mantendo e confirmando o douto despacho recorrido.Sem tributação.Porto, 24 de Outubro de 2007
Francisco Marcolino de Jesus
Ângelo Augusto Brandão MoraisJosé Carlos Borges Martins
*
Era de esperar o acerto e a densidade descritiva ao nível dogmático do Sr. Juíz Desembargador Dr. Francisco Marcolino
O sumário no site da DGSI é o contrário do decidido.
Prepara-se Acordão de Fixação de Jurisprudência..

13 de setembro de 2007

A razão da doutrina (abuso de confiança fiscal)

Sobre o problema da aplicação no tempo, cfr. Costa Andrade, Rev. Portuguesa de Ciência Criminal, Jan-Março 2007; Taipa de Carvalho, O crime de abuso de confiança fiscal, coimbra editora, 2007.

24 de julho de 2007

ainda o crime de abuso de confiança fiscal

No .º juízo do Tribunal Judicial da comarca de Penafiel, os arguidos B………., C………. e D………., Lda foram submetidos a julgamento sob a acusação da prática de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo artº 24º, nº 1, do DL nº 20-A/90, de 15 de Janeiro.Na audiência, o senhor juiz, considerando que, com a entrada em vigor da norma da alínea b) do nº 4 do artº 105º do RGIT, introduzida pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, os arguidos deixaram de poder ser perseguidos criminalmente pelos factos imputados, por ausência de uma condição de procedibilidade, determinou o arquivamento do processo.Inconformado, o MP interpôs recurso, sustentando, em síntese, na sua motivação:-Entre a versão do artº 105º do RGIT antes das alterações introduzidas pela Lei nº 53-A/2006 e a posterior existe uma continuidade típica, não se estando, pois, perante qualquer despenalização.-O que há é uma sucessão de leis penais, devendo aplicar-se a lei nova, na medida em que contemplando uma causa de exclusão da punibilidade não prevista na lei anterior, é mais favorável ao arguido.-A aplicação da lei nova passa pela concessão ao arguido da oportunidade de accionar aquela causa de exclusão da punibilidade.-Deve, assim, revogar-se a decisão recorrida.O recurso foi admitido.Não houve resposta.Nesta instância, a senhora procuradora-geral-adjunta foi de parecer que o recurso merece provimento.Foi cumprido o artº 417º, nº 2, do CPP, nada tendo sido dito.Tiveram lugar os vistos legais.Cumpre decidir.Fundamentação:Os factos imputados aos arguidos ocorreram na vigência do RJIFNA, aprovado pelo DL nº 20-A/90, com as alterações introduzidas pelo DL nº 394/93, de 24 de Novembro, lei que só não será aplicável se outra posterior consagrar regime concretamente mais favorável ao arguido – artº 2º do CP.Posteriormente, entrou em vigor a Lei nº 15/2001, de 5 de Junho que, além do mais que aqui não importa, foi alterada pela Lei nº 53-A/2006.Na versão anterior, a Lei nº 15/2001 dispunha no seu artº 105º:1 – Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.2 – Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei o preveja.3 – (...).4 – Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação.5 – (...).6 – Se o valor da prestação a que se referem os números anteriores não exceder € 2000, a responsabilidade criminal extingue-se pelo pagamento da prestação, juros respectivos e valor mínimo da coima aplicável pela falta de entrega da prestação no prazo legal, até 30 dias após a notificação para o efeito pela administração tributária.7 – (...).Relativamente a este preceito, a Lei nº 53-A/2006 limitou-se a alterar o nº 4, que passou a ter a seguinte redacção:4 – Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.Na decisão recorrida raciocinou-se assim: A alínea b) consagra «uma verdadeira condição de procedibilidade ou de instauração do procedimento criminal», sendo que, não estando verificada, o agente não pode ser perseguido criminalmente. Na falta da notificação agora prevista, estamos no âmbito do direito de mera ordenação social, nos termos do artº 114º, nº 1, do RGIT. E a notificação agora prevista não deve ser efectuada pelo tribunal, pois «insere-se no âmbito das relações entre o Fisco e um contribuinte concreto, não cabendo aos tribunais imiscuir-se nessa dinâmica própria», e não se vê que «o nosso ordenamento processual consinta que os processos sejam devolvidos ao órgão da administração fiscal para que este faça a notificação, ficando, até que a notificação seja feita, suspensos». Na falta da notificação, estamos perante uma contra-ordenação nos termos do artº 114º, nº 1, do RGIT, não tendo o tribunal competência para conhecer dela.Na conclusão desse raciocínio, ordenou-se o arquivamento dos autos.Mas, não se vê como a ausência de uma condição de procedibilidade, de um pressuposto processual, pode transformar um crime numa contra-ordenação. Uma tal ausência apenas poderia ter o efeito de impedir a instauração do procedimento. E, no caso, na altura da instauração do procedimento criminal essa condição, seja ela de procedibilidade ou mais do que isso, ainda não vigorava. Por tal motivo, a questão nunca se colocaria ao nível da procedibilidade, mas da prosseguibilidade do procedimento.E, se essa prosseguibilidade estiver dependente do não pagamento da prestação comunicada, dos juros respectivos e do valor da coima aplicável depois de notificação para o efeito, nada impede que seja o tribunal a fazer essa notificação. A razão invocada na decisão recorrida de que isso «se insere no âmbito das relações entre o Fisco e o contribuinte», além de nada explicar, não é rigorosa, na medida em que já não estamos no plano das meras relações entre a administração fiscal e o contribuinte, mas no âmbito de um processo penal, cujo prosseguimento, na perspectiva da decisão sob recurso, depende da referida notificação.Também não é procedente o fundamento indicado para não remeter o processo à administração fiscal para o efeito de a notificação ser ali feita. Na verdade, não é correcto dizer-se que essa remessa representaria uma suspensão do processo, não consentida pelo artº 7º do CPP, pois os autos seriam remetidos para a prática de acto processual, e a prática de um acto processual, ainda que fora do tribunal, não traduz qualquer suspensão do processo.Não é, assim, pelas razões aduzidas na decisão recorrida que se está perante a descriminalização dos factos imputados aos arguidos.Ainda que estivesse, e esses factos configurassem agora apenas uma contra-ordenação, não seria correcto o entendimento de que o tribunal não tinha competência para a apreciar, visto a norma do artº 33º do DL nº 433/82, de 27 de Outubro («O processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas e das sanções acessórias competem às autoridades administrativas, ressalvadas as especialidades previstas no presente diploma», na qual o tribunal recorrido se baseou neste ponto, cede perante a disposição do artº 77º, nº 1, do mesmo diploma («O tribunal poderá apreciar como contra-ordenação uma infracção acusada como crime»), disposição esta que constitui uma das «especialidades» além ressalvadas.Mas, se não há despenalização pelas razões invocadas na decisão recorrida, vejamos se ela ocorre por outros motivos, como já se decidiu (cfr. acórdãos desta Relação de 06/06/2007, proferido no procº nº 0644055, em www.dgsi.pt, e de 27/06/2007 e 18/06/2007 proferidos, respectivamente, nos processos nºs 38/07 e 2158/07 da 4ª secção).
O nº 4 do artº 105º do RGIT, na versão actual, como se viu, diz que os factos dos nºs 1, 2 e 3 só são puníveis se-tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal para a entrega da prestação;-a prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.A primeira exigência, que anteriormente preenchia todo o nº 4, tem sido maioritariamente considerada como condição objectiva de punibilidade (cfr., por exemplo, Isabel Marques da Silva, Regime Geral das Infracções Tributárias, 2ª edição, páginas 177 e 179; e Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 2ª edição, página 645). Susana Aires de Sousa, em Os crimes Fiscais, 2006, página 136, considera que se trata de «um pressuposto de punibilidade que corresponde, na acepção tradicional, a uma causa de exclusão da punição». Também Costa Andrade, em anotação ao acórdão do Tribunal Constitucional nº 54/04, publicada na RLJ, nºs 3931 e 3932, páginas 307 a 325, situa a questão no plano da punibilidade: «Do ponto de vista material, não subsiste hoje qualquer diferença entre o crime e a contra-ordenação (...). Num caso e noutro, o que se incrimina é a mera mora, independentemente de o ilícito criminal só ser punível, se decorrerem mais de 90 dias (...) sobre o termo do prazo legal da prestação. Na verdade, como hoje tende a sustentar-se, a punibilidade confronta a arquitectura do crime com uma nova e autónoma categoria, a acrescer ao ilícito é à culpa. (...) De qualquer forma, a comprovada não-punibilidade de um facto em nada contende com a existência e subsistência do ilícito típico e da culpa. Que, por isso, podem em concreto existir, independentemente da punibilidade do facto. É o que nos parece ser a situação do ilícito criminal – o mesmo podendo adiantar-se para a culpa – do abuso de confiança do artigo 105º do RGIT. Que existirá a partir do primeiro momento de mora. Apesar do facto só ser punível depois de decorridos 90 dias».No domínio do RJIFNA, logo na versão do DL nº 20-A/90, também se exigia, no nº 5 do artº 24º, o decurso do período de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação tributária, mas para a «instauração do procedimento criminal», norma que, na revisão operada pelo DL nº 394/93, se manteve, agora no nº 6 do mesmo preceito. Tratava-se portanto de uma condição de procedibilidade.No RGIT, a exigência do decurso de mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação tem a ver com a necessidade de distinguir entre o crime de abuso de confiança fiscal e a contra-ordenação prevista no artº 114º, nº 1. Ambos se preenchem com a mera não entrega da prestação tributária deduzida nos termos da lei; como, de acordo com esta última norma, a não entrega pelo período até 90 dias da prestação constitui mera contra-ordenação, a exigência do decurso de mais de 90 dias prevista no nº 4 do artº 105º significa que a não entrega da prestação tributária só será punida como crime se for por período superior a 90 dias. A exigência agora prevista na alínea b) do nº 4 do artº 105º também vem sendo entendida como condição objectiva de punibilidade (cfr., por exemplo, Isabel Marques da Silva, obra citada, página 180; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 07/02/2007 no processo nº 4086/06 da 3ª secção; acórdãos desta Relação de 06/06/2007, proferido no procº nº 0644055, em www.dgsi.pt, e de 27/06/2007 e 18/06/2007 proferidos, respectivamente, nos processos nºs 38/07 e 2158/07 da 4ª secção; Ricardo Sá Fernandes, em artigo publicado no jornal “Sol”, edição de 24/03/2007, página 27).Figueiredo Dias, expondo a sua teoria sobre os pressupostos de punibilidade, nos quais se incluem as condições objectivas de punibilidade e as causas de exclusão da pena, diz que se trata de «um conjunto de pressupostos que, se bem que se não liguem nem à ilicitude, nem à culpa, todavia decidem ainda da punibilidade do facto», sendo, assim, a punibilidade uma categoria que acresce ao ilícito e à culpa na constituição do conceito de crime.Depois de enunciar que «a ideia político-criminal e dogmática básica que dentro da categoria da punibilidade actua e lhe oferece unidade e consistência (...) é a dignidade penal», explica: «o facto ilícito-típico e culposo é também, em regra, facto digno de pena», podendo, porém, «suceder excepcionalmente que o não seja, se nele se não verificarem ainda pressupostos de punibilidade; pressupostos que têm que ver directamente com a dignidade penal do facto, com exigências de prevenção, geral e especial, que nele radicam mas não esgotam o seu significado no tipo de ilícito ou no tipo de culpa» (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, páginas 617 e seguintes).No relatório do Orçamento de Estado para 2007 justificou-se assim a introdução da norma da alínea b) do nº 4 do artº 105º do RGIT:«A entrega da prestação tributária (retenções de IR/Selo e IVA) está actualmente associada à obrigação de apresentação de uma declaração de liquidação/pagamento. A falta de entrega da prestação tributária pode estar associada ao incumprimento declarativo ou decorrer simplesmente da falta de pagamento do imposto liquidado na referida declaração. Quando a não entrega da prestação tributária está associada à falta declarativa existe uma clara intenção de ocultação dos factos tributários à administração fiscal. O mesmo não se poderá dizer, quando a não entrega da dívida é participada à administração através da correspondente declaração, que não vem acompanhada do correspondente meio de pagamento, mas que lhe permite desencadear de imediato o processo de cobrança coerciva. Tratando-se de diferentes condutas, com diferentes consequências na gestão do imposto, devem, portanto, ser valoradas criminalmente de forma diferente. Neste sentido, não deve ser criminalizada a conduta dos sujeitos passivos que, tendo cumprido as suas obrigações declarativas, regularizem a situação tributária em prazo a conceder, evitando-se assim a “proliferação” de inquéritos por crime de abuso de confiança fiscal que, actualmente, acabam por ser arquivados por decisão do Ministério Público na sequência do pagamento do imposto».É da dignidade penal do facto que aqui se fala: a falta de entrega da prestação tributária é muito menos grave se esta tiver sido comunicada à administração fiscal, porque «permite desencadear de imediato o processo de cobrança coerciva», devendo por isso ter tratamento mais favorável que os casos em que há «ocultação dos factos tributários à administração fiscal», tratamento mais favorável que consiste em não haver punição do facto como crime, se o pagamento, com os referidos acréscimos, for efectuado em certo prazo após notificação para o efeito. É nesse sentido de não punição do facto como crime que deve ser entendida a afirmação de que «não deve ser criminalizada a conduta dos sujeitos passivos que, tendo cumprido as suas obrigações declarativas, regularizem a situação tributária em prazo a conceder». Considerou o legislador que em tais casos, havendo pagamento nos termos indicados, o facto não exige punição do ponto de vista da prevenção, geral e especial. É a isto que, usando as palavras de Figueiredo Dias, «deve precisamente chamar-se a falta de dignidade penal do facto».Será, assim, um pressuposto de punibilidade que se prevê na alínea b) do nº 4 do artº 105º do RGIT: O facto ilícito típico, que já está completamente preenchido, só é susceptível de punição se não ocorrer o referido pagamento, o que equivale a dizer que, existindo esse pagamento, fica excluída a punição.Mas, esse pressuposto não terá a natureza de uma condição objectiva de punibilidade.
Como parece ser pacífico, as condições objectivas de punibilidade são, além do mais, acontecimentos independentes da vontade do autor do facto.Exemplos de condições objectivas de punibilidade são: a morte ou a ofensa à integridade física grave no crime de participação em rixa do artº 151º do CP (Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricence do Código Penal, Tomo I, páginas 231 e 232); o reconhecimento judicial da situação de insolvência no crime de insolvência dolosa do artº 227º (Pedro Caeiro, Comentário, Tomo II, página 425); a prática de um facto ilícito típico no crime do artº 295º (Taipa de Carvalho, Comentário, Tomo II, páginas 1112- 1115); as previstas nas alíneas a) e b) do artº 324º (Conceição Ferreira da Cunha, Comentário, Tomo III, página 175). E não é disso que se trata aqui. Com efeito, o pressuposto de punibilidade do facto é, no caso, o não pagamento da prestação comunicada à administração tributária, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito, e esse não pagamento está dependente da vontade do devedor; é um facto que não está fora do seu controlo.Ao estabelecer-se na alínea b) do nº 4 do artº 105º do RGIT que os factos dos nºs 1, 2 e 3 só são puníveis se a prestação tributária comunicada através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito, quer-se significar, como se disse, que o pagamento, com os acréscimos, pondo termo ao prejuízo patrimonial do Estado, que é o que de mais essencial se visa proteger com a incriminação, retira dignidade penal ao facto e, por via disso, exclui a punição.Parece, assim, poder afirmar-se que o pagamento previsto naquela alínea b) constitui uma causa de exclusão da punição. Trata-se de mais uma possibilidade dada ao devedor tributário que, tendo cumprido a obrigação declarativa, falhou na obrigação de entrega da prestação tributária, de pôr termo ao prejuízo patrimonial causado ao Estado com a sua omissão, em troca da não punição. Uma causa de exclusão da punição que até tem uma vertente adjectiva, na medida em que, para o seu accionamento, se prevê uma actividade processual – a notificação do sujeito passivo da obrigação tributária.Falta agora ver que consequências devem ser tiradas da entrada em vigor da norma da alínea b) do nº 4 do artº 105º relativamente aos processos que já se encontravam pendentes em tribunal à data do seu início de vigência e nos quais, portanto, não foi efectuada a notificação agora prevista, como é o caso deste.Essa norma em nada alterou a estrutura do crime de abuso de confiança fiscal. É certo que introduz alterações na questão da punibilidade. E em certas situações alterações legislativas a esse nível têm efeito descriminalizador.Por exemplo, se em certo momento vigorasse uma lei que criminalizava a simples participação em rixa e posteriormente entrasse em vigor outra que, como no caso do artº 151º do CP, passasse a exigir, como condição objectiva de punibilidade, que da rixa resultasse a morte ou ofensa à integridade física grave de alguém, não poderíamos deixar de concluir que a rixa simples fora descriminalizada. Mas, o caso que temos para solucionar é substancialmente diverso.Efectivamente, a nova versão da lei não operou uma restrição da punibilidade por acrescentamento de elementos que levem a que só situações mais graves que as abrangidas pela lei anterior sejam puníveis. Pelo contrário, valoriza um elemento que, concretizando uma circunstância excludente da punição, é favorável ao agente. É certo que para tanto se exige dele um determinado comportamento, mas um comportamento que já a lei antiga lhe impunha.A lei nova não introduziu qualquer elemento verdadeiramente novo do qual resulte um encurtamento do campo de incidência do crime de abuso de confiança fiscal. Passou a fazer depender a punição de um não pagamento, mas um não pagamento era precisamente o que já concretizava o ilícito no domínio da lei anterior. Qualitativamente nada há de novo. Se o pagamento de que depende a não punição é agora mais oneroso, e não o é muito, isso é justificado pela maior mora.Enquanto naquele exemplo estaríamos perante uma conduta – a participação em rixa simples – que, sendo ilícita e, por isso, punível, no domínio da lei antiga, deixou de o ser à face da lei nova, no caso presente não houve qualquer alteração a esse nível: a falta de regularização da situação fiscal do agente era ilícita e punível no domínio da lei anterior e continua a sê-lo à luz da lei nova.Vale aqui a lição de Figueiredo Dias: «Na verdade, só se pode falar de descriminalização – ou, nas palavras do artigo 2º, nº 2, do CP, da “eliminação do facto punível (...) do número de infracções (...)” – quando a lei nova passe a entender como lícita (ou, pelo menos, como “indiferente para o direito penal”) uma conduta que, de acordo com a legislação vigente ao tempo da respectiva prática, se qualificava de ilícita e, portanto, se considerava punível.(...) está em causa, tão-só, a questão de saber se a concreta conduta, considerada criminosa pela lei antiga, continua a constituir um ilícito punível nos quadros da lei nova. Desde que se verifique o pressuposto da dupla incriminação, pelas leis antiga e nova, do concreto comportamento (com referência ao mesmo bem jurídico) deixa de ter aplicação o disposto no artigo 2º, nº 2, do CP» (CJ, 1992, página 71 e 72).Da nova versão do artº 105º do RGIT não resultou, assim, a descriminalização dos factos ocorridos anteriormente em que não houve o pagamento agora exigido. Essa conclusão sai reforçada se se tiver em atenção que o fundamento substancial da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável, nomeadamente da lei descriminalizadora, decorre do princípio da necessidade das penas ou da máxima restrição das penas, segundo o qual a pena só é legítima enquanto for necessária para a protecção de bens jurídicos. É nesse sentido que o Tribunal Constitucional vem decidindo:«Resulta deste princípio a asserção de que a legitimidade das penas criminais depende da sua necessidade, adequação e proporcionalidade, em sentido estrito, para a protecção de bens ou interesses constitucionalmente tutelados; e o seu valor assenta na verificação de que qualquer criminalização e respectiva punição (...) determina a restrição de direitos, liberdades e garantias das pessoas (...). Ora, tal restrição só pode justificar-se, nos termos do nº 2 do artigo 18º, quando se mostre necessária para a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.Pode afirmar-se, assim, que a garantia da aplicação da lei penal mais favorável se limita a exprimir, ou a traduzir, na matéria dos limites temporais da aplicação da lei penal, o princípio da necessidade das penas. Na verdade, se, em momento posterior à prática do facto, a pena se revela desnecessária, torna-se constitucionalmente ilegítima» (cfr. acórdãos nºs 169/2002, publicado no DR, II série, de 16/05/2002, 572/2003, publicado no DR, II série, de 17/02/2004, e 677/98, citado nos dois anteriores). No caso, o legislador considerou que a pena é desnecessária, mas apenas se for cumprida uma condição, que está na mão do agente cumprir: a regularização da sua situação fiscal. Só nesse caso a pena se torna desnecessária.Em conclusão, o caso tem de solucionar-se à luz do nº 4 do artº 2º do CP, sendo evidente que nesta fase a lei nova é mais favorável aos arguidos, na medida em que prevê uma possibilidade de afastarem a punição. A notificação para esse efeito é o passo processual que deve seguir-se; seja pelo tribunal, seja pela administração tributária. Nenhum obstáculo legal existe à adopção de qualquer uma dessas duas vias. Não pode, pois, manter-se a decisão recorrida.Decisão:Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação, no provimento do recurso, em revogar a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra, no pressuposto de que a introdução da norma da alínea b) do nº 4 do artº 105º do RGIT não teve o efeito de descriminalizar os factos imputados aos arguidos, a quem deve ser feita a notificação ali prevista.Sem custas.Porto, 11 de Julho de 2007 Manuel Joaquim Braz Luís Dias André da Silva Ângelo Augusto Brandão Morais
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Não explica o acordão a razão de ser da aplicação de lei mais favorável. Na participação em rixa a questão não tem a liquidez que se assinala (cfr. Costa Pinto, L.Amicorum Figueiredo Dias). Por outro lado, sendo como é na discursividade própria do acordão como condição objectiva de punibilidade e se afirma "independente da vontade do autor do facto", como aferir que a notificação após a omissão ser independente da vontade do sujeito passivo?

4 de julho de 2007

prazo de recurso final no direito contra-ordenacional

Foi relatado o Ac. RC de 30-5-2007, rel. Ribeiro Martins, www.dgsi.pt:
1- A apresentação do recurso suscita a questão prévia de se saber se o recorrente deve ou não deve pagar multa devida por interposição do recurso em prazo suplementar [ o referido nos art.ºs 107º/5 do CPP e 145º/5 do Código de Processo Civil].A decisão judicial é de 18.1.2007, data da sua leitura e depósito ( cfr. fls. 603/604)A arguida e o seu mandatário foram dela notificados por carta registada expedida a 19/1/2007 ( cfr. fls. 605/606) , pelo que presumidamente as notificações são de 22/1/2007.A motivação do recurso foi remetida ao tribunal a 6/2/2007 (cfr. fls. 643).2.1- O art.º 74º/1 do DL. n.º 433/82, de 27/10 estatui que “ O recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias a partir da sentença ou do despacho, ou da sua notificação ao arguido , caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste”.O n.º4 do artigo 74º do DL. n.º 433/82 estatui que “O recurso seguirá a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultam deste diploma”.Também o art.º 41º/1 do mesmo diploma estatui que “Sempre que o contrário não resultar deste diploma são aplicáveis devidamente adaptados os preceitos reguladores do processo criminal”.2.2- Perante estes dispositivos temos por líquido que no domínio contraordenacional é de 10 dias o prazo para interpor recurso das decisões judiciais que confirmem, revoguem ou alterem as decisões administrativas.E porque o recurso segue a tramitação do processo penal devidamente adaptado tendo em conta as especialidades do citado diploma, o prazo de resposta ao recurso é também de 10 dias [ e não o de 15 dias referido no art.º 413º/1 do CPP].É deste modo que o regime do Código de Processo Penal se aplica «devidamente adaptado» ao regime contraordenacional. Isto é, não é a estatuição do DL. n.º 433/82 que cede ao regime do recurso em processo penal; antes é este que se aplicará no âmbito daquele devidamente adaptado às suas especificidades. Assim, não é por o CPP consagrar um prazo de 15 dias para a resposta dos sujeitos processuais afectados pelo recurso que tem de entender-se, contra disposição expressa da lei, que o prazo para a sua interposição é de 15 dias. Antes, deve entender-se que o prazo de resposta ao mesmo é que é de 10 dias. O entendimento que perfilhamos [ que o prazo de interposição do recurso, tal como o de resposta ao mesmo, é de 10 dias], além de ser o conforme com o sistema expressamente instituído pelo DL. n.º 433/82 não sofre da inconstitucionalidade afirmada no Ac n.º27/2006 do Tribunal Constitucional publicado no DR. I-A de 3/3/2006.Como já se referiu em Ac. desta Relação [proferido no processo 606/05.5TBGRD, relatado pelo Des. Abílio Ramalho e que subiu ao TC [1] , a norma ínsita no art.º 74º/1 do RGCO, porque integrada num regime jurídico especial é também ela uma norma especial em relação à norma do art.º 411º/1 do CPP.Não há assim que violentar a norma escrita constante do art.º 74º/1 do DL. n.º 433/82 para a adaptar ao art.º 411/1 do CPP. Antes, de acordo com o seu n.º4 e o n.º1 do art.º 41º, há que adaptar ao caso de recurso em processo contraordenacional o prazo a que se reporta o art.º 413º/ do CPP para resposta ao mesmo .Esta interpretação é a conforme com os art.ºs 41/1 e 74/4 do DL. n.º 433/82, adequa-se aos propósitos de celeridade e eficácia próprios do regime contraordenacional e não belisca com a doutrina obrigatória consagrada no Ac. 27/2006 do Tribunal Constitucional.A nosso ver, a inconstitucionalidade afirmada pelo TC teve o mérito de alertar as instâncias comuns para a complacência com que, por vezes, se vinham aceitando respostas tardias aos recursos interpostos.2.3- Também já se defendeu que o prazo de recurso em processo contraordenacional era o de 15 dias com base no art.º 6º/1 alínea c) do DL. n.º 329-A/95.Mas também aqui sem razão, pois que o regime geral dos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo são da competência relativa da Assembleia da República ( cfr. art.º168º/1, alíneas c) e d) e art.º 165º/1, al. c) e d) da CRP, respectivamente antes e depois da revisão constitucional de 1997). O DL. 329-A/95 tem na sua génese a autorização legislativa da Lei n.º 33/95 de 18/8. Porém, esta autorização foi necessária por algumas das suas inovações interferirem com a organização e competência dos tribunais (cfr. art.ºs 168º/1, al. q) do CRP na versão vigente em 1995 e a referida Lei de autorização legislativa). Essa Lei n.º33/95 não previu alterações nem no processo penal nem no processo referente aos ilícitos de mera ordenação social. Daqui a necessidade de no art.º6º do DL. 329-A/95 -, que alterou a contagem dos prazos em quaisquer diplomas a que fosse subsidiariamente aplicável o art.º 144º do Código de Processo Civil -, se introduzir o que foi o seu n.º3 o qual ressalvava a anterior redacção do C.P.C. para os efeitos da remissão que para ele era feita pelo art.º 104º do Código de Processo Penal . Sem essa ressalva o art.º 6º/1 do DL. 329-A/95 seria inconstitucional enquanto aplicável no âmbito do processo penal e no do processo por contra-ordenações.Para obviar ao dessincronismo assim gerado veio dispor a Lei n.º59/98 de 25/8 [cujo art.º 8º, alínea a) revogou a ressalva do n.º3 do art.º6º do DL. 329-A/95, após adoptar a contagem dos prazos no processo penal à nova redacção do Código de Processo Civil] . Mas deixou-se até hoje intocado o prazo estabelecido no art.º 74 do DL. n.º 433/82 de 27.10, pelo que se mantém-se inalterado o referido prazo.Estender ao processo das contra-ordenações o sistema de contagem referido no art.º 6º do DL. 329-A/95 seria fazer uma interpretação que feriria de inconstitucionalidade orgânica o mencionado segmento legal do referido art.º 6º, por falta de autorização legislativa da Assembleia da República.3- Voltando ao caso em apreço, as notificações da sentença ao Ex.mo mandatário da arguida e a esta são presumidamente de 22/1/07 ( art.º 113/2 do CPP), pelo que o prazo normal do recurso [ de 10 dias ] se esgotou a 1/2/2007.Por força do art.º 107º/5 do CPP, que remete para a estatuição do art.º 145º/5 do CPC, esse prazo pode ser acrescido dum outro suplementar de 3 dias úteis subsequentes, mas a sua validade está dependente do pagamento da multa aí referida.Tal prazo acrescido foi até 6/2/2007 ( já que 3 e 4 foram , respectivamente, sábado e domingo). Sendo a remessa da motivação do recurso dessa data, deve a recorrente pagar a referida multa caso pretenda ver não rejeitado o recurso .
III-Decisão –Termos em que se decide devolver os autos à 1ª instância onde deve ser paga a referida multa com vista à não rejeição do recurso com o fundamento em apresentação tardia .
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Merece a nossa concordância. Na verdade, o direito contra-ordenacional não pode assemelhar-se sem mais ao processo penal. A ser assim, estar-se-ia em pôr em causa todo o espírito que adveio aquando da criação deste ramo do direito.

21 de janeiro de 2007

Abuso de Confiança Fiscal: despenalização ou sucessão de leis penais?

Foi dado o seguinte despacho no 2º juízo de Competência Especializada Criminal do T.J. de Leiria:
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Nos presentes autos encontra(m)-se o(s) arguido(s) acusado(s) da prática de crime(s) de abuso de confiança fiscal. No dia 1 de Janeiro de 2007, entrou em vigor a Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2007. Tal diploma introduziu várias alterações ao Regime Geral das Infracções Tributárias (aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 109-B/2001, de 27 de Dezembro). Uma das alterações introduzidas é a implementação de uma aparente condição de punibilidade( mediante o seu enquadramento formal, é pelo menos o que o legislado parece querer dizer) no que concerne ao crime de abuso de confiança fiscal tipificado no artigo 105.º do diploma já citado.
Assim, o artigo 105.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, abreviadamente designado por RGIT, passou a ter seguinte redacção:
“Artigo 105.º
[…]
1 - […].
2 - […].
3 - […].
4 - Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:
a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;
b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração, não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.
5 - […].
6 - […].
7 - […].”

Confrontando o regime anterior (RGIT) com aquele que entrou em vigor no transacto dia 1 de Janeiro para que se verifique um crime de abuso de confiança fiscal é sempre necessário, para além do decurso do prazo de 90 dias sobre o termo do prazo legal da entrega da prestação, existir o não pagamento na sequência de uma notificação para que o agente, em 30 dias, proceda ao pagamento da prestação comunicada à administração fiscal, acrescida de juros e o valor da coima aplicável.
Quid iuris relativamente aos processos pendentes ?
O legislador acrescentou aparentemente uma condição objectiva de punibilidade.
Ao formular uma condição objectiva de punibilidade, o legislador visa diminuir o espaço de incriminação, e sendo um “aliud” ao ilícito não se exigirá a imputação subjectiva, maxime o dolo e também a possibilidade de erro. Tratando-se de uma condição própria será restritiva da punibilidade do facto típico sendo estranha a considerações de conduta proibida. Por último, exige-se destas condições as mesmas exigências da lei penal, não fazendo parte, repete-se, do tipo de ilícito, mas do tipo garantia. Importa saber se estamos diante uma verdadeira condição objectiva de punibilidade ou não. A questão é de pertinência absoluta. Na realidade, e de acordo com o Prof. Taipa de Carvalho (apud “Sucessão de Leis Penais, 2ª ed., págs. 179 a 183), perante a redução de punibilidade por consideração do novo elemento adicionado, há que saber se o elemento é especializador, caso em que há despenalização, ou especificador, caso em que há verdadeira sucessão de leis penais. Ora, o A., acima identificado, é muito claro em erigir como critério de definição do elemento novo como especializador ou especificador, o erro (maxime p. 185). Isto é, sempre que o erro sobre o novo elemento não excluísse o dolo haveria que aplicar o disposto no art. 2º nº 4 do C.P., pois a conduta seria punível, aplicando-se a lei mais favorável, não havendo evidentemente despenalização.
Ora, qualificando a nova al. b) como condição objectiva de punibilidade, e de acordo com o significado que a dogmática maioritária dá a esta qualificação, i.e. é irrelevante a imputação subjectiva e assim o erro, impõe-se considerar a existência de uma verdadeira sucessão de leis penais, aplicando-se o regime descrito no nº 4 do art. 2º do C.P..
Será assim ? Ou estamos naquele campo em que a indagação da categoria da dignidade penal (e a categoria mais lata de pressuposto de punibilidade) toca nos conceitos de tipo-de-ilícito ou tipo-de-culpa, tendo com tais referentes categoriais autêntica simbiose. ?
No meu entendimento, e até agora consubstanciado no tempo curto ainda dado a reflectir, e no sólido confronto de reflexões havidas com colegas, e com apoio na pouca literatura nacional, penso que a questão é resolvida pura e simplesmente no ilícito.
Na verdade, no regime anteriormente vigente, o tipo de ilícito reconduzia-se a uma mora qualificada no tempo (90 dias), sendo a mora simples punida como contra-ordenação, ilícito de menor gravidade. Neste momento, o legislador adita uma circunstância que por referir-se ao agente, e não constituindo assim um “aliud” na punibilidade como parece a norma fazer crer, encontra-se no cerne da conduta proibida. Na verdade, não é o facto de o legislador afirmar que “só são puníveis se”que torna liquida a existência de uma condição objectiva de punibilidade. É antes a necessidade de o legislador pretender caracterizar uma determinada mora.
Assim, impõe-se agora que o agente não entregue à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar pelo prazo superior a 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação e desde que não tenha procedido ao pagamento da prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.
Na verdade, o aditamento da al. b) criou um conjunto de vários de problemas que só o titular do bem jurídico poderá dilucidar na prática e para a representação e vontade do agente e assim motivar ao cumprimento da norma, concretizando outrossim a conduta proibida. Assim, quem é notificado ? A pessoa colectiva ? O gerente ? Qual ? E por outro lado, o próprio titular do bem jurídico terá que determinar o valor da coima. Por virtude de que contra-ordenação ? A do atraso da entrega da prestação até 90 dias ? Em que montante ? Há assim algo de novo no recorte operativo do comportamento proibido violador do bem jurídico património fiscal, precisamente o facto de a Administração Fiscal entrar em directo confronto com o eventual agente do crime. Não faz sentido pois uma interpretação, como a que a da sucessão de leis penais (art. 2º nº 4 do C.P.), parece oferecer e que seria ordenar a notificação dos arguidos para os termos da al. b) pelo simples facto de tal notificação não ser determinável. Assim que coima teria o arguido que pagar ? Que montante a fixar ? Quem a fixa ?
Em suma, o legislador até aqui criminalizou uma mora qualificada relativamente a um objecto material do crime, o imposto, atendendo aos fins deste. Agora, pretendeu estabelecer como crime uma mora específica e num contexto relacional qualificado.
Assim, verificando-se que os factos descritos na acusação se encontram despenalizados, julgo extinto o procedimento criminal.
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